Por isso o bebê humano nunca, em nenhum momento, é independente.
A dependência total não é um defeito — é o design da nossa espécie. Sem um grupo para carregar, proteger, alimentar e ensinar, um bebê humano simplesmente não sobrevive. E é aí que entra o segredo do nosso sucesso: a fragilidade extrema do início da vida forçou a evolução de algo poderosíssimo — o cérebro social, a capacidade de criar vínculos profundos, de cooperar, de sentir o que o outro sente.
Em meio a esse processo nossa evolução converteu o que era "dependência" (o estado de necessidade de cuidado) de "Apego" (o vínculo emocional e o sistema comportamental que busca proximidade com um cuidador para segurança e referência).
Enquanto muitos outros primatas já nascem com capacidades motoras e sensoriais relativamente desenvolvidas, capazes de agarrar-se firmemente à mãe ou até se locomover um pouco, nós surgimos praticamente como um “rascunho biológico”. O cérebro humano, por exemplo, vem ao mundo com apenas um quarto do seu tamanho final, muito menos maduro que o de chimpanzés, gorilas ou orangotangos. Essa imaturidade inicial faz com que o cuidado parental não seja apenas útil, mas absolutamente indispensável para a sobrevivência do bebê humano.
Essa dependência prolongada se estende muito além do nascimento. Na maior parte dos primatas, o jovem logo ganha uma autonomia razoável; já os humanos passam por uma infância extensa, uma adolescência ainda mais longa e um processo de maturação que atravessa décadas. Somos a espécie que mais demora para caminhar com segurança, falar articuladamente, alimentar-se sozinha e desenvolver competências sociais e cognitivas complexas. Isso não é um defeito evolutivo; ao contrário, é justamente essa “lentidão” que abriu espaço para a riqueza do aprendizado cultural, da linguagem e da formação de vínculos sociais sofisticados.
Nessa visão radical, o ambiente — em especial o construído pelos cuidadores — não é um fator "externo" ao bebê, MAS UM COMPONENTE INTRÍNSECO E NECESSÁRIO DE SEU PRÓPRIO SISTEMA BIOLÓGICO E REGULATÓRIO.
Como postulou Winnicott, "não existe tal coisa como um bebê" isolado, mas sim a díade indissociável "bebê+cuidador", uma unidade sistêmica onde a sobrevivência e o desenvolvimento são cocriados.
Aqui chegamos no ponto principal desta postagem: o apego não é uma aquisição que acontece após a garantia da sobrevivência; ele é, desde o início da vida, o próprio mecanismo de sobrevivência, a arquitetura relacional sobre a qual se constrói todo o edifício humano.
Na realidade, a peculiar fragilidade do bebê humano, a criatura altricial mais dependente entre os primatas, não é um defeito, mas uma condição, senão, o cerne da nossa vantagem evolutiva. Forçados pela necessidade de ter o parto "adiantado" devido ao bipedalismo e ao nosso plástico cérebro crescente, nossa extrema imaturidade inicial (dada a condição oferecida pelos cuidadores/ambiente) transformou essa dependência total no próprio mecanismo de sobrevivência.
Essa dependência prolongada abriu espaço para a nossa extraordinária plasticidade cerebral, moldando-nos como mestres da conexão e do aprendizado cultural. O que a evolução esculpiu em nossa biologia coletiva — a necessidade absoluta de um vínculo seguro para sobreviver e florescer — é o mesmo fio condutor que corre do bebê pré-histórico deixado na savana até o cliente no divã!
A psicoterapia, ao trabalhar esquemas de abandono ou padrões de apego ansioso, não faz mais do que acalmar o sistema de alarme desse mamífero social, oferecendo a reconexão segura à tribo que é, e sempre foi, a base de toda cura e desenvolvimento humano.
Essa visão encontra eco nas ideias de Carl Rogers sobre a tendência atualizante que cada pessoa carrega, em sua própria estrutura psíquica, uma força silenciosa orientada ao crescimento. Mesmo quando atravessamos períodos de confusão, dor ou defensividade, existe em nós um impulso básico de reorganização, uma busca intuitiva por maior autenticidade, saúde emocional e sentido.
Mas essa capacidade de progresso não é um projeto moral ou uma meta externa, antes é um movimento interno de autorregulação: o organismo humano, quando encontra "ambiente" para respirar, naturalmente se inclina para formas mais maduras, flexíveis e integradas de existir.
Essa potência só se manifesta plenamente em ambientes que favorecem a abertura e a confiança.
O próprio Rogers identificou três condições essenciais — empatia, aceitação incondicional e autenticidade — que funcionam como catalisadores dessa reorganização saudável. Quando alguém se sente verdadeiramente compreendido, acolhido sem julgamentos e acompanhado por uma presença genuína, suas defesas se tornam menos rígidas e a tendência atualizante ganha espaço para emergir.
A partir daí, o progresso deixa de ser esforço e passa a ser consequência: a pessoa se apropria de si mesma, amplia a consciência e encontra, de forma orgânica, caminhos mais coerentes com sua própria vida.
Podemos perceber então que o "Apego", que sempre foi uma condição inescapável dos nossos processos constituintes, foi convertido pela evolução em uma potencializadora do melhor desenvolvimento do individuo.
O humano precisa do ambiente emocional e relacional constituído pelo coletivo para desenvolver-se como indivíduo pleno e saudável.
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