Faz sentido testar a “confiança” e a capacidade de aceitação da psicóloga com um relato pessoal escrito?
Caro Autor Anônimo, vamos pensar juntos.
Primeiro, vamos lidar com a sua idealização: psicólogos são pessoas. Pessoas com estudo específico, sim, mas ainda pessoas. Pelo que você descreve, parece que o julgamento dos outros — especialmente de figuras de autoridade — te assusta.
Quando você diz que um terapeuta “deve julgar ao mínimo e confiar ao máximo”, isso me leva a pensar que você carrega um esquema de desconfiança ou de defectividade. Ou seja, talvez exista em você a crença de que, no fundo, há algo de errado ou inadequado em si, e que cedo ou tarde alguém vai descobrir. Isso lembra um pouco a chamada “síndrome do impostor”: a sensação de ser uma fraude, supervalorizar os próprios defeitos e minimizar as qualidades, mesmo diante de evidências do contrário.
O ponto é que você já se julgou inadequado antes mesmo de entrar na terapia — e acredita que qualquer psicólogo também vai te ver assim. Isso pode fazer com que você queira “testar” a aceitação do outro antes de se permitir confiar.
Vale lembrar: a formação em Psicologia não imuniza ninguém contra ter crenças, emoções e padrões enraizados. O que a prática profissional faz é oferecer ferramentas para que o psicólogo lide com seus próprios esquemas e com os dos pacientes. Mas a sua frase sobre “julgar” e “confiar” fala muito mais sobre o seu olhar do que sobre a profissional em si.
Todos nós criamos esquemas emocionais e cognitivos na infância, tentando nos adaptar ao ambiente em que crescemos. Esses padrões moldam nossa forma de ver o mundo, os outros e a nós mesmos. No seu caso, a ideia de entregar um “relatório da vida” para avaliar a reação da terapeuta parece uma tentativa de testar os limites da aceitação do outro — algo típico de quem lida com esquemas de abandono, defectividade ou privação emocional.
Isso também pode indicar hipervigilância: o impulso de controlar o ambiente para evitar rejeição ou dor. E, sim, esse impulso é compreensível — ele costuma nascer em histórias de vida em que confiar foi arriscado ou doloroso.
Agora, respondendo objetivamente à sua pergunta:
Você tem muito a ganhar em terapia. Se, neste momento, escrever e entregar um relato pessoal é a forma que você consegue se abrir, então use esse recurso. Mas não pare por aí. A terapia é um espaço para explorar, sentir e construir confiança aos poucos, não um teste que a psicóloga precisa passar para você continuar.
Leve seu texto, sim — mas também leve a disposição de conversar sobre por que você sente necessidade de testar. Esse pode ser, inclusive, o verdadeiro ponto de partida do seu processo terapêutico.
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